O Quadrilátero Ferrífero é a mais importante província mineral do sudeste do Brasil. Localizado na região centro sul do estado de Minas Gerais, é o marco principal da interiorização da ocupação portuguesa no século XVIII. Desde a descoberta do ouro no final do século XVII até hoje a região do Quadrilátero Ferrífero abriga a maior concentração urbana do estado de Minas Gerais. Nele foram fundadas as primeiras vilas afastadas do litoral, com destaque para Ouro Preto, patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, e Mariana, que possuem um rico acervo arquitetônico e cultural barroco, expressão máxima do ciclo do ouro no Brasil. Ouro Preto recebeu o título de patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1980. A região central de Mariana foi tombada como pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN - em 1938.
A origem do nome
As Terras Altas de Minas, onde se originam as cabeceiras do Rio Doce e do Rio das Velhas, se revelaram para a história brasileira e mundial após a descoberta do ouro. Não que ela não fosse habitada anteriormente. São poucas as informações sobre a ocupação humana na região. Ao certo, sabe-se que ela foi atingida pela depopulação indígena direta ou indiretamente realizada pelas bandeiras paulistas no século XVII, antes da descoberta de grandes concentrações auríferas no leito dos rios da região.
Pelo pouco que se sabe, os indígenas que habitavam ou transitavam pela região não utilizavam, ou mesmo conheciam o ouro. Não se conhece notícia de adornos feitos com ouro por indígenas da região. Após a intensificação da ocupação de raiz europeia e africana ao longo das cabeceiras do Rio Piranga, Ribeirão do Carmo, dos rios Gualaxo do Sul e do Norte, Rio Piracicaba, na Bacia do Rio Doce e no Rio das Velhas, na Bacia do Rio São Francisco, não são conhecidos relatos do envolvimento de indígenas na indicação de locais onde o ouro em aluviões ocorria.
Portanto, a visão histórica da região sempre teve o viés de procura e extração de georrecursos: inicialmente o ouro, desde o final do século XVII até o século XXI, o topázio imperial, a partir de meados do século XVIII (Gandini, 2020) e o ferro, o manganês e a bauxita a partir do século XX. Recentemente, em função dos problemas socioambientais resultantes da intensificação da explotação do ferro, deflagrou-se uma disputa entre as mineradoras de ferro e os movimentos ambientalistas. Estes, ciosos da região e com a intenção de regular e inibir a expansão das áreas mineradas, incorporaram a água como georrecurso regional, em função da existência de excelentes aquíferos, sobretudo coincidentes com as ocorrências de rochas ferruginosas, nas zonas exploradas pela mineradoras de ferro.
À região, frente a ampla visão como sendo fonte de recursos para a humanidade, sempre se incorporou em seu nome a mineração, quer seja como atividade principal, ou o georrecurso preponderante, como o ouro ou o ferro. Deste modo, referia-se a ela como a "Região das Minas dos Goitacás" (século XVII e XVIII), "Região das Minas" (séculos XVIII e XIX), "Quadrilátero Ferrífero" (séculos XX e XXi) e "Quadrilátero Ferrífero-Aquífero" (século XXI).
Em nossa visão, entendemos que, atualmente, o nome Quadrilátero Ferrífero é o que está mais frequentemente relacionado à região, estando disseminado não só na literatura científica e acadêmica nacional e internacional, mas também nos diversos textos, áudios e vídeos nos diferentes meios de comunicação de amplo acesso público.
No entanto, não é ignorado o avanço do conhecimento científico ao longo da história de ocupação regional. Desde os trabalhos dos pioneiros na difusão do conhecimento de cunho mais científico da região, como Eschwege, da fase de Brasil-colônia, quanto de Claussen e o primeiro mapa geológico regional, em 1839, de Helmreichen, 1843, e Pissis,1848 (Castro & Machado, 2018), e os estudos de Gorceix, na fase do Brasil-império, a ampliação do conhecimento científico caminha ao lado do avanço na utilização dos georrecursos regionais.
Em meados do século XX, um convênio entre o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) e o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), logrou realizar um mapeamento geológico em escala 1:25.000 na região rica em ferro a sul de Belo Horizonte, o que resultou no maior esforço de mapeamento realizado no país. O projeto culminou com a publicação do relatório final do projeto em 1969 por J.V.N. Dorr II, intitulado Physiographic, Stratigraphic, and Structural Development of the Quadrilatero Ferrifero, Minas Gerais, Brazil, que acompanhou a publicação do mapa regional em escala 1:150.000, resultante da integração e compilação dos mapeamentos geológicos realizados ao longo da existência do convênio. Este mapeamento abrangeu uma área de 7.000 km², cujos produtos foram, o conjunto de mapas geológicos em escala 1:25.000, uma compilação da área total abrangida em escala 1:150.000, dezenas de relatórios técnicos, várias teses e artigos científicos consolidaram a base de informações necessárias ao desenvolvimento regional, a instalação de diversas minas, infraestruturas viárias e um vigoroso parque siderúrgico, fortalecendo o segmento metalúrgico. A este esforço científico e sua área abrangente denominamos neste texto de Quadrilátero Ferrífero 1.9.
Passados cinquenta anos da publicação do mapa de Dorr II e colaboradores, foi apresentado o novo mapa geológico do Quadrilátero Ferrífero, em 2019 um esforço de centenas de geólogos de várias instituições ao longo das últimas três décadas.
O avanço das técnicas e equipamentos, a evolução científica e as demandas da sociedade atual são as bases que impulsionam a realização de novos projetos de mapeamento geológico regional, a despeito da importância e significado dos esforços realizados há mais de meio século. Estes fatos convergiram para na realização do novo mapa do Quadrilátero Ferrífero e do livro "Quadrilátero Ferrífero: Avanços do conhecimento nos últimos 50 anos". A versão atual do mapa descreve e incorpora novos dados sobre a sucessão de rochas e sua organização estrutural em uma área mais expandida em relação aos limites definidos por Dorr e colaboradores. O novo mapa do Quadrilátero Ferrífero consolida os resultados de mapeamentos geológicos em escala 1:10.000, realizados nos últimos 20 anos pelo Departamento de Geologia da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto. A este Quadrilátero Ferrífero, denominamos Quadrilátero Ferrífero 2.0.
No intuito de não se perder a referência do trabalho magistral de Dorr e colaboradores, faremos uma síntese do Quadrilátero Ferrífero 1.9 e do Quadrilátero Ferrífero 2.0.
Referências
Castro, P. T. A.; Machado, M. M. M. Um texto sobre Peter Claussen e a geologia em Minas Gerais: redimindo cientistas In: 8 Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra, 2018, Campinas. Anais do 8 Simpósio Nacional de Ensino e História de Ciências da Terra. Campinas: Sociedade Brasileira de Geologia, 2018. p.674 – 678.
Dorr II, J.N.V. 1969. Physiographic, Stratigraphic, And Structural Development Of The Quadrilatero Ferrifero, Minas Gerais, Brasil. USGS Professional Paper, 641-A, 110p.
Gandini, A.L. Uma pequena revisão dos estudos do topázio imperial da região de Ouro Preto, MG. In: Quadrilátero Ferrífero: Avanços do conhecimento nos últimos 50 anos (org.: Castro, P.T.A.; Endo, I.; Gandini, A. L.), 2020. p. 360-379. Editora 3i. Belo Horizonte. 480p.